Inúteis Luas Obscenas – Hélio Pólvora

Preciso descobrir um amigo mudo, ele pensou. Um desses a quem se pode abrir as comportas, dizer tudo, sem risco de contestação. Detesto controvérsias. No dia em que eu disser que a Lua é quadrada e que a Terra gira ao seu redor, queiram acreditar. Talvez o Mudo tivesse respostas para minhas indagações mais fundas – e o bom gosto de não as exprimir. Procuro também um amigo cego. Sem a capacidade de ver e afligir-se, nos transmitiria paz – a mim, o Surdo, e ao Mudo. Diríamos que somos ansiosos demais, que est é o melhor dos mundos possíveis, conforme o sábio Pangloss. Se eu perguntasse ao Cego, no auge das minhas angústias: O que vês?, ele me diria: Vejo trevas. E eu retrucaria: Não vês a ti mesmo? Ele então responderia: Não. A mina treva se dilui na treva maior. Está certo. Se eu me voltasse para o Surdo, com certeza perguntaria: O que ouves? Há um rilhar de dentes, um estridor, estrondos encobrem de fumaça acre os horizontes. E ele, calmo: Nada ouço. Gostaria de ouvir as cotovias de Shakespeare.